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A dor do abandono - Juliana de Luccas - Outubro 2016

 

Depois de muitos anos, tudo que Marta quer é uma chance... No passado, tomou uma decisão que parecia ser a melhor, e agora, tudo que ela quer é tentar corrigir da melhor forma possível.

             

Depois de muitos anos, tudo que Marta quer é uma chance... No passado, tomou uma decisão que parecia ser a melhor, e agora, tudo que ela quer é tentar corrigir da melhor forma possível.                  Meus paços eram lentos enquanto eu caminhava pela quadra. Eu estava adiando o momento, eu sabia, mas era impossível para mim não o fazer. Meu coração batia fortemente no peito, meu estomago estava apertado e revirado... E ao mesmo tempo que eu queria correr para o mais longe dali que pudesse, meus instintos diziam que eu deveria correr até o meu destino.  Fariam 25 anos desde a última vez... Como ele seria? Sua personalidade, o riso, o som da voz...? Qual seria a sua reação?  Interrompi meus paços, encostando-me a um muro qualquer, tocando a parede fria e áspera com minha testa, os olhos ardendo pelas lágrimas não derramadas, o medo e a insegurança lutando contra a minha vontade. Respirei fundo e de vagar retrocedi meus paços pela calçada, eu não podia enfrentar aquilo, eu não era forte o suficiente...  Ainda me lembro, como se fosse hoje, do dia em que eu o deixei aos cuidados das irmãs do orfanato Sta. Luzia, foi tudo muito rápido.  Eu disse a ela, uma freira que parecia tão velha quanto o tempo, que me olhava com olhos sábios, que não podia, que não conseguiria lidar com aquilo. Eles ficaram com ele, e eu caminhei pela calçada extremamente aliviada, me sentindo a pior pessoa do mundo.  Mais uma vez, parei meus paços, dando-me conta que eu não podia voltar para traz, que eu estaria cometendo o mesmo erro de anos atrás, que tomar o caminho da covardia mais uma vez não me ajudaria. Valeria a pena, mesmo que ele não quisesse nada comigo, valeria porque eu iria conhecê-lo e ele deixaria de existir apenas em fotos para mim. Fotos tiradas pelo mesmo detetive que encontrou o seu endereço, fotos de cinco anos atrás.  Era o número 50 logo a minha frente, e em algum lugar daquele condomínio ele estava existindo, talvez com uma família, esposa e filhos. -Netos? Seria maravilhoso se eu tivesse netos, seria maravilhoso dar a eles o amor que eu não dei ao seu pai.  Toquei o interfone, apartamento 32. Uma voz masculina atendeu.   -Sim?  Fiquei em silêncio por alguns segundos.  - Oi, eu gostaria de falar com Lucas Gonçalves. Ele se encontra?  -Quem gostaria? - Perguntou.  E ali estava. Se aquele fosse o meu filho e eu lhe dissesse o meu nome, que eu sabia que ele conhecia, e ele não quisesse me ver? Eu não saberia o que fazer. Respirei fundo e respondi com a voz um pouco trêmula.  -Marta, Marta Maier.  Ele ficou em silêncio. Tudo que eu conseguia ouvir era o sangue correndo em meus ouvidos e o som acelerado do meu coração.  - Um minuto. - Pediu.  E eu esperei, mais de um minuto. Todos os meus medos ficavam maiores e mais reais a cada segundo que ele demorava para voltar. Até que finalmente (um finalmente muito demorado) ele voltou.   - Sinto muito, ele não quer vê-la  Senti uma ardência nos olhos, e assustada percebi que estava chorando. Devo ter feito algum barulho pois o homem no interfone falou novamente  - Está tudo bem?  Eu havia me preparado emocionalmente, mas não para ser rejeitada daquela forma, sem sequer ser recebida. Acho que me sentiria melhor se ele gritasse comigo, se jogasse verdades na minha cara...  - Eu... Obrigada, - Respondi em voz baixa, limpando as lagrimas com as pontas dos dedos  Me afastei do prédio, caminhando lentamente para onde havia deixado meu carro. O caminho para casa era doloroso. Em alguns momentos, entrei em ruas desconhecidas e passei por lugares que não fazia ideia de onde eram. Eu estava dirigindo sem rumo e as lagrimas pareciam não ter fim, e depois de quase bater o carro na traseira de uma vã escolar, decidi encostar o carro. Encostei a testa no volante, chorando com força, com soluços que balançavam meu corpo todo. Eu sabia que merecia, que estava pagando. Lucas não quis me receber, e quem poderia culpá-lo?  Meu telefone tocou, me assustando, atendi desajeitadamente, a voz tremula e rouca pelo choro  - Amor, tudo bem? - A voz de meu marido, Leandro, perguntou preocupada  - Ele... Não quis... Eu não o vi, - Eu disse, tentando obter algum controle sobre mim mesma  Ele ficou quieto por alguns segundos  - Sinto muito, amor...  - Preciso... Preciso de você... - eu disse em um sussurro  - Onde você está? - Sua voz, agora era urgente  - Não sei, - respondi sinceramente, - Está escuro, não... Não quero dirigir  - Me envie a sua localização pelo celular, vou encontrar você...  Enquanto esperava Leandro chegar me endireitei no banco, olhando cegamente para a frente. Eu ainda soluçava, mas as lagrimas haviam secado...  Quarenta minutos depois, ouvi batidas em minha janela. Olhei para fora e vi o Leandro. Passei para o banco do passageiro e destravei o carro para ele entrar. Ele entrou e me abraçou com força, e então, as lagrimas voltaram com força total. De repente, meu mundo se resumia aos seus dedos enroscados com força em meus cabelos, a batida acelerada de seu coração em meus ouvidos e a dor que eu sentia.  - Por que este lugar? - Ele perguntou em um sussurro, os lábios encostados em minha testa  - Não sei onde estamos, eu repeti  - Querida, estamos na frente do orfanato Santa Luzia  - Vamos embora, - Pedi em voz baixa.     Os dias que se seguiram foram difíceis. Eu estava dispersa, o que estava evidente para meus alunos e colegas de trabalho. Naquela mesma semana, meu diretor, Henrique, me chamou em sua sala e me ofereceu uma licença de duas semanas. Eu não recusei.  Nos primeiros dias, me dediquei inteiramente ao meu filho mais novo, Eduardo, e comecei a planejar uma reforma desnecessária na casa de praia. Por algum tempo, consegui me distrair, mas nos últimos dias da minha licença me peguei obcecada por Lucas novamente.  Passei a manhã inteira sentada na mesa da cozinha, olhando para as fotos antigas, conseguidas com um detetive anos antes. Em uma delas, ele estava do lado de fora de uma lanchonete, abraçava uma garota. Eu daria tudo para estar no lugar daquela moça, para receber um abraço dele, para sentir seu cheiro e seu calor. Mas aquilo não aconteceria, porque eu tinha errado, e o perdido.  Eu tinha perdido qualquer direito sobre ele quando o abandonei anos antes... E no dia em que ele se recusou em me ver, enquanto me afastava do prédio, de alguma forma, senti como se estivesse o abandonando uma segunda vez... Respirei fundo, e decidi que não iria desistir, eu iria voltar lá de novo e de novo, até que ele aceitasse me receber     Dessa vez, parei o carro na frente do prédio e atravessei a rua, tocando o interfone. A mesma voz do outro dia me atendeu  - Olá!  Não me identifiquei, pois sabia que ele me via pela câmera  -Eu preciso falar com ele... - Eu disse, minha voz tremendo contra minha vontade  -A resposta dele não mudou, - ele disse, sua voz suave...  -Fale com ele, - eu disse, naquele momento, querendo saber quem era ele, e me perguntando se ele realmente teria o poder de convencer o Lucas.  -Um minuto, - ele pediu,  Ele demorou cinco minutos para voltar, mas eu não desisti. Eu esperei. Ficaria alí a noite toda, se isso significasse que ele me receberia  -Pode subir - Ele disse.  Ouvi o barulho das trancas da porta se abrindo, e a empurrei, me dando conta que minhas mãos tremiam. Fiquei surpresa com a resposta, pois estava esperando ser rejeitada novamente. Entrei no prédio, caminhando entorpecida. Desci do elevador e andei pelo corredor, e ali estava... O apartamento 32... Respirei fundo e apertei a campainha. Não demorou muito e um homem alto e magro abril a porta. Ele era bonito, loiro, cabelo enrolado e olhos verdes, mais não era o meu Lucas...  - Olá, sou Matheus. - Disse abrindo espaço para que eu entrasse.  Entrei e esperei que ele fechasse a porta para mostrar o caminho. Ele passou por mim no corredor e eu o segui até chegarmos em uma sala grande e bem iluminada.  No chão estavam jogados alguns brinquedos, e no tapete, com um pequeno prato azul na mão, Lucas estava sentado, dando comida a um menino pequeno de mais ou menos 9 meses.  Ele ergueu os olhos quando entramos, os mesmos olhos azuis de seu pai.   -Eu cuido disso. - Matheus disse se aproximando e tomando o prato de suas mãos, estendendo a mão para ajudá-lo a levantar. Exitante, Lucas aceitou a ajuda.  Ele ficou de pé, sem tirar os olhos de mim. -Olá. - Eu disse fracamente. -Sou Marta Maier.  Ele assentiu.  -Eu sou Lucas.  -Eu sei. - Respondi antes que pudesse evitar.  Ele me olhou, um certo desespero em seus olhos. -Você é a minha mãe, não é?  -Sim. - Eu respondi, trêmula.  Ele colocou as mãos juntas em frente a boca, como se fosse rezar, fechou os olhos, respirando fundo. -Por quê? -Eu era jovem. - Eu disse, sabendo como era uma resposta fraca, mas era a verdade, - Eu não sabia o que estava fazendo  Ele me deu as costas.  -Não é desculpa... Eu tinha 16 quando tive o meu primeiro filho. A mãe dele morreu no parto e eu quem cuidava dele, e ainda tinha que trabalhar, fazer faculdade e mesmo assim eu não o abandonei.  -Eu sei que não é justificativa, mas eu estava assustada Lucas. Seu pai nem podia ouvir falar no assunto, meus pais e meu irmão mais velho haviam acabado de falecer em um acidente de carro, eu tinha milhares de dividas, tinha que terminar a faculdade e trabalhar. - Eu disse rapidamente com lagrimas saltando aos meus olhos. Eu queria que ele entendesse, eu precisava disso. - Eu não tinha estrutura física ou emocional para criar você... Hoje eu sei que fiz a coisa errada, mas na época me pareceu a coisa certa a se fazer... Estou aqui, 25 anos depois para te pedir perdão. Não sei pelo que você passou, mas quero saber. Se possível fazer parte da sua vida, conhecer sua família, seus filhos, e dar a eles todo o amor que eu puder. Você tem um irmão mais novo, eu iria adorar se vocês se conhecessem. Me dê uma chance Lucas, é a única coisa que te peço, uma chance.  -Por que eu daria a você o que você não me deu? - Perguntou, virando-se para mim com os olhos zangados.  -Porque eu estou aqui... - Eu disse, sabendo que era um argumento fraco.  Comecei a me aproximar de vagar. - -Mesmo depois que você me rejeitou no outro dia, eu voltei, porque quero saber tudo sobre você, quero te dar o amor que não pude dar, quero ver meus netos crescerem e amá-los também... Nos dê esta chance, Lucas!  Fiquei a poucos paços dele e peguei seu rosto entre as mãos, olhando em seus olhos, vendo a emoção contida ali.  - Me perdoe Lucas, eu imploro.  ­­- Eu apanhei, fui violentado, passei fome e frio, fui humilhado e preso por quê roubei para ter o que comer. E onde você estava? Você deveria ter me protegido!   Agora ele também chorava.  -Eu sinto muito por isso, eu realmente sinto, se eu pudesse voltar atrás, tudo seria diferente, eu te protegeria e amaria e te abraçaria para que nunca sentisse frio, mas eu errei e te abandonei, eu não posso mudar isso, o que eu posso fazer e te dar amor o máximo que eu puder agora e tentar substituir as lembranças ruins por boas... Eu sei que não vai ser fácil me perdoar, mas eu preciso disso, preciso desta chance e você também... Eu não sei mas o que dizer. Me perdoe Lucas, por favor! - As últimas palavras, saíram em um sussurro  Nós chorávamos e eu tinha medo. Medo da resposta que ele me daria, de como seria a minha vida se ele me rejeitasse uma segunda vez, se ele me mandasse para longe agora que eu tinha chegado tão perto. Agora que eu sabia como ele era, como era a sensação da sua pele por de baixo dos meus dedos... Eu sabia que uma parte de mim morreria, aquela que sobrevivia na esperança de que um dia nós fôssemos nos entender, iria para sempre, e nada restaria.  Nos seus olhos azuis, as emoções conflitavam, por fim, disse em um sussurro:  - Eu te odiei por tanto tempo... E agora que você está aqui, eu não sei o que eu estou sentindo, eu esperava que você não voltasse.   - É por isso que voltei, - eu disse, meus dedos fazendo círculos em sua bochecha, - E vou continuar voltando, até você dizer que me perdoa...  - Por quê? - Sua voz era baixa, contida. - Por que, agora que te encontrei, não vou te abandonar novamente, - respondi simplesmente  Ele fechou os olhos com força. Toquei de leve com a ponta do dedo uma lagrima que escorria por sua bochecha...  -Por favor... - sussurrei  Ele abriu os olhos de vagar, olhando fundo nos meus.  -Tudo bem, - ele disse em voz baixa, - te dou a chance de estar ao meu lado, dos meus filhos e do meu companheiro. E se não puder aceitá-lo de meia volta e vá embora, Mas não estou te perdoando, se quer a minha confiança e o meu amor, vai ter que conquistá-los primeiro.  Eu o abracei, chorando aliviada, sentindo o seu cheiro e o tremor de seu corpo. Seus braços permaneceram ao lado do corpo, mas senti sua bochecha roçar de leve em meu cabelo. Eu não o julgava, eu sabia que tínhamos um longo caminho pela frente e que o abraço que eu queria viria, não agora, pois as feridas ainda sangravam, mas um dia... Eu passei os últimos 25 anos sofrendo com a decisão de ter o abandonado e o medo de ser rejeitada, mas ele havia me dado uma chance, não só de conquistar seu amor e confiança, mas também de conhecer aquele que ele tinha entregado seu coração e a família que eles haviam construído juntos. E quando eu me abaixei para pegar meu neto entre os braços, Matheus sorrio para mim com lagrimas nos olhos, e eu sabia que nele eu tinha um aliado, mesmo sem saber por que ou como havia conquistado sua confiança.  Fim.

Meus paços eram lentos enquanto eu caminhava pela quadra. Eu estava adiando o momento, eu sabia, mas era impossível para mim não o fazer. Meu coração batia fortemente no peito, meu estomago estava apertado e revirado... E ao mesmo tempo que eu queria correr para o mais longe dali que pudesse, meus instintos diziam que eu deveria correr até o meu destino.

Fariam 25 anos desde a última vez... Como ele seria? Sua personalidade, o riso, o som da voz...? Qual seria a sua reação?

Interrompi meus paços, encostando-me a um muro qualquer, tocando a parede fria e áspera com minha testa, os olhos ardendo pelas lágrimas não derramadas, o medo e a insegurança lutando contra a minha vontade. Respirei fundo e de vagar retrocedi meus paços pela calçada, eu não podia enfrentar aquilo, eu não era forte o suficiente...

Ainda me lembro, como se fosse hoje, do dia em que eu o deixei aos cuidados das irmãs do orfanato Sta. Luzia, foi tudo muito rápido.  Eu disse a ela, uma freira que parecia tão velha quanto o tempo, que me olhava com olhos sábios, que não podia, que não conseguiria lidar com aquilo. Eles ficaram com ele, e eu caminhei pela calçada extremamente aliviada, me sentindo a pior pessoa do mundo.

Mais uma vez, parei meus paços, dando-me conta que eu não podia voltar para traz, que eu estaria cometendo o mesmo erro de anos atrás, que tomar o caminho da covardia mais uma vez não me ajudaria. Valeria a pena, mesmo que ele não quisesse nada comigo, valeria porque eu iria conhecê-lo e ele deixaria de existir apenas em fotos para mim. Fotos tiradas pelo mesmo detetive que encontrou o seu endereço, fotos de cinco anos atrás.

Era o número 50 logo a minha frente, e em algum lugar daquele condomínio ele estava existindo, talvez com uma família, esposa e filhos. -Netos? Seria maravilhoso se eu tivesse netos, seria maravilhoso dar a eles o amor que eu não dei ao seu pai.

Toquei o interfone, apartamento 32. Uma voz masculina atendeu.

 -Sim?

Fiquei em silêncio por alguns segundos.

- Oi, eu gostaria de falar com Lucas Gonçalves. Ele se encontra?

-Quem gostaria? - Perguntou.

E ali estava. Se aquele fosse o meu filho e eu lhe dissesse o meu nome, que eu sabia que ele conhecia, e ele não quisesse me ver? Eu não saberia o que fazer. Respirei fundo e respondi com a voz um pouco trêmula.

-Marta, Marta Maier.

Ele ficou em silêncio. Tudo que eu conseguia ouvir era o sangue correndo em meus ouvidos e o som acelerado do meu coração.

- Um minuto. - Pediu.

E eu esperei, mais de um minuto. Todos os meus medos ficavam maiores e mais reais a cada segundo que ele demorava para voltar. Até que finalmente (um finalmente muito demorado) ele voltou.

 - Sinto muito, ele não quer vê-la

Senti uma ardência nos olhos, e assustada percebi que estava chorando. Devo ter feito algum barulho pois o homem no interfone falou novamente

- Está tudo bem?

Eu havia me preparado emocionalmente, mas não para ser rejeitada daquela forma, sem sequer ser recebida. Acho que me sentiria melhor se ele gritasse comigo, se jogasse verdades na minha cara...

- Eu... Obrigada, - Respondi em voz baixa, limpando as lagrimas com as pontas dos dedos

Me afastei do prédio, caminhando lentamente para onde havia deixado meu carro. O caminho para casa era doloroso. Em alguns momentos, entrei em ruas desconhecidas e passei por lugares que não fazia ideia de onde eram. Eu estava dirigindo sem rumo e as lagrimas pareciam não ter fim, e depois de quase bater o carro na traseira de uma vã escolar, decidi encostar o carro. Encostei a testa no volante, chorando com força, com soluços que balançavam meu corpo todo. Eu sabia que merecia, que estava pagando. Lucas não quis me receber, e quem poderia culpá-lo?

Meu telefone tocou, me assustando, atendi desajeitadamente, a voz tremula e rouca pelo choro

- Amor, tudo bem? - A voz de meu marido, Leandro, perguntou preocupada

- Ele... Não quis... Eu não o vi, - Eu disse, tentando obter algum controle sobre mim mesma

Ele ficou quieto por alguns segundos

- Sinto muito, amor...

- Preciso... Preciso de você... - eu disse em um sussurro

- Onde você está? - Sua voz, agora era urgente

- Não sei, - respondi sinceramente, - Está escuro, não... Não quero dirigir

- Me envie a sua localização pelo celular, vou encontrar você...

Enquanto esperava Leandro chegar me endireitei no banco, olhando cegamente para a frente. Eu ainda soluçava, mas as lagrimas haviam secado...

Quarenta minutos depois, ouvi batidas em minha janela. Olhei para fora e vi o Leandro. Passei para o banco do passageiro e destravei o carro para ele entrar. Ele entrou e me abraçou com força, e então, as lagrimas voltaram com força total. De repente, meu mundo se resumia aos seus dedos enroscados com força em meus cabelos, a batida acelerada de seu coração em meus ouvidos e a dor que eu sentia.

- Por que este lugar? - Ele perguntou em um sussurro, os lábios encostados em minha testa

- Não sei onde estamos, eu repeti

- Querida, estamos na frente do orfanato Santa Luzia

- Vamos embora, - Pedi em voz baixa.

 

Os dias que se seguiram foram difíceis. Eu estava dispersa, o que estava evidente para meus alunos e colegas de trabalho. Naquela mesma semana, meu diretor, Henrique, me chamou em sua sala e me ofereceu uma licença de duas semanas. Eu não recusei.

Nos primeiros dias, me dediquei inteiramente ao meu filho mais novo, Eduardo, e comecei a planejar uma reforma desnecessária na casa de praia. Por algum tempo, consegui me distrair, mas nos últimos dias da minha licença me peguei obcecada por Lucas novamente.

Passei a manhã inteira sentada na mesa da cozinha, olhando para as fotos antigas, conseguidas com um detetive anos antes. Em uma delas, ele estava do lado de fora de uma lanchonete, abraçava uma garota. Eu daria tudo para estar no lugar daquela moça, para receber um abraço dele, para sentir seu cheiro e seu calor. Mas aquilo não aconteceria, porque eu tinha errado, e o perdido.

Eu tinha perdido qualquer direito sobre ele quando o abandonei anos antes... E no dia em que ele se recusou em me ver, enquanto me afastava do prédio, de alguma forma, senti como se estivesse o abandonando uma segunda vez... Respirei fundo, e decidi que não iria desistir, eu iria voltar lá de novo e de novo, até que ele aceitasse me receber

 

Dessa vez, parei o carro na frente do prédio e atravessei a rua, tocando o interfone. A mesma voz do outro dia me atendeu

- Olá!

Não me identifiquei, pois sabia que ele me via pela câmera

-Eu preciso falar com ele... - Eu disse, minha voz tremendo contra minha vontade

-A resposta dele não mudou, - ele disse, sua voz suave...

-Fale com ele, - eu disse, naquele momento, querendo saber quem era ele, e me perguntando se ele realmente teria o poder de convencer o Lucas.

-Um minuto, - ele pediu,

Ele demorou cinco minutos para voltar, mas eu não desisti. Eu esperei. Ficaria alí a noite toda, se isso significasse que ele me receberia

-Pode subir - Ele disse.

Ouvi o barulho das trancas da porta se abrindo, e a empurrei, me dando conta que minhas mãos tremiam. Fiquei surpresa com a resposta, pois estava esperando ser rejeitada novamente. Entrei no prédio, caminhando entorpecida. Desci do elevador e andei pelo corredor, e ali estava... O apartamento 32... Respirei fundo e apertei a campainha. Não demorou muito e um homem alto e magro abril a porta. Ele era bonito, loiro, cabelo enrolado e olhos verdes, mais não era o meu Lucas...

- Olá, sou Matheus. - Disse abrindo espaço para que eu entrasse.

Entrei e esperei que ele fechasse a porta para mostrar o caminho. Ele passou por mim no corredor e eu o segui até chegarmos em uma sala grande e bem iluminada.

No chão estavam jogados alguns brinquedos, e no tapete, com um pequeno prato azul na mão, Lucas estava sentado, dando comida a um menino pequeno de mais ou menos 9 meses.

Ele ergueu os olhos quando entramos, os mesmos olhos azuis de seu pai.

 -Eu cuido disso. - Matheus disse se aproximando e tomando o prato de suas mãos, estendendo a mão para ajudá-lo a levantar. Exitante, Lucas aceitou a ajuda.

Ele ficou de pé, sem tirar os olhos de mim. -Olá. - Eu disse fracamente. -Sou Marta Maier.

Ele assentiu.

-Eu sou Lucas.

-Eu sei. - Respondi antes que pudesse evitar.

Ele me olhou, um certo desespero em seus olhos. -Você é a minha mãe, não é?

-Sim. - Eu respondi, trêmula.

Ele colocou as mãos juntas em frente a boca, como se fosse rezar, fechou os olhos, respirando fundo. -Por quê? -Eu era jovem. - Eu disse, sabendo como era uma resposta fraca, mas era a verdade, - Eu não sabia o que estava fazendo

Ele me deu as costas.

-Não é desculpa... Eu tinha 16 quando tive o meu primeiro filho. A mãe dele morreu no parto e eu quem cuidava dele, e ainda tinha que trabalhar, fazer faculdade e mesmo assim eu não o abandonei.

-Eu sei que não é justificativa, mas eu estava assustada Lucas. Seu pai nem podia ouvir falar no assunto, meus pais e meu irmão mais velho haviam acabado de falecer em um acidente de carro, eu tinha milhares de dividas, tinha que terminar a faculdade e trabalhar. - Eu disse rapidamente com lagrimas saltando aos meus olhos. Eu queria que ele entendesse, eu precisava disso. - Eu não tinha estrutura física ou emocional para criar você... Hoje eu sei que fiz a coisa errada, mas na época me pareceu a coisa certa a se fazer... Estou aqui, 25 anos depois para te pedir perdão. Não sei pelo que você passou, mas quero saber. Se possível fazer parte da sua vida, conhecer sua família, seus filhos, e dar a eles todo o amor que eu puder. Você tem um irmão mais novo, eu iria adorar se vocês se conhecessem. Me dê uma chance Lucas, é a única coisa que te peço, uma chance.

-Por que eu daria a você o que você não me deu? - Perguntou, virando-se para mim com os olhos zangados.

-Porque eu estou aqui... - Eu disse, sabendo que era um argumento fraco.  Comecei a me aproximar de vagar. - -Mesmo depois que você me rejeitou no outro dia, eu voltei, porque quero saber tudo sobre você, quero te dar o amor que não pude dar, quero ver meus netos crescerem e amá-los também... Nos dê esta chance, Lucas!

Fiquei a poucos paços dele e peguei seu rosto entre as mãos, olhando em seus olhos, vendo a emoção contida ali.

- Me perdoe Lucas, eu imploro.

­­- Eu apanhei, fui violentado, passei fome e frio, fui humilhado e preso por quê roubei para ter o que comer. E onde você estava? Você deveria ter me protegido!

 Agora ele também chorava.

-Eu sinto muito por isso, eu realmente sinto, se eu pudesse voltar atrás, tudo seria diferente, eu te protegeria e amaria e te abraçaria para que nunca sentisse frio, mas eu errei e te abandonei, eu não posso mudar isso, o que eu posso fazer e te dar amor o máximo que eu puder agora e tentar substituir as lembranças ruins por boas... Eu sei que não vai ser fácil me perdoar, mas eu preciso disso, preciso desta chance e você também... Eu não sei mas o que dizer. Me perdoe Lucas, por favor! - As últimas palavras, saíram em um sussurro

Nós chorávamos e eu tinha medo. Medo da resposta que ele me daria, de como seria a minha vida se ele me rejeitasse uma segunda vez, se ele me mandasse para longe agora que eu tinha chegado tão perto. Agora que eu sabia como ele era, como era a sensação da sua pele por de baixo dos meus dedos... Eu sabia que uma parte de mim morreria, aquela que sobrevivia na esperança de que um dia nós fôssemos nos entender, iria para sempre, e nada restaria.

Nos seus olhos azuis, as emoções conflitavam, por fim, disse em um sussurro:

- Eu te odiei por tanto tempo... E agora que você está aqui, eu não sei o que eu estou sentindo, eu esperava que você não voltasse.

 - É por isso que voltei, - eu disse, meus dedos fazendo círculos em sua bochecha, - E vou continuar voltando, até você dizer que me perdoa...

- Por quê? - Sua voz era baixa, contida. - Por que, agora que te encontrei, não vou te abandonar novamente, - respondi simplesmente

Ele fechou os olhos com força. Toquei de leve com a ponta do dedo uma lagrima que escorria por sua bochecha...

-Por favor... - sussurrei

Ele abriu os olhos de vagar, olhando fundo nos meus.

-Tudo bem, - ele disse em voz baixa, - te dou a chance de estar ao meu lado, dos meus filhos e do meu companheiro. E se não puder aceitá-lo de meia volta e vá embora, Mas não estou te perdoando, se quer a minha confiança e o meu amor, vai ter que conquistá-los primeiro.

Eu o abracei, chorando aliviada, sentindo o seu cheiro e o tremor de seu corpo. Seus braços permaneceram ao lado do corpo, mas senti sua bochecha roçar de leve em meu cabelo. Eu não o julgava, eu sabia que tínhamos um longo caminho pela frente e que o abraço que eu queria viria, não agora, pois as feridas ainda sangravam, mas um dia... Eu passei os últimos 25 anos sofrendo com a decisão de ter o abandonado e o medo de ser rejeitada, mas ele havia me dado uma chance, não só de conquistar seu amor e confiança, mas também de conhecer aquele que ele tinha entregado seu coração e a família que eles haviam construído juntos. E quando eu me abaixei para pegar meu neto entre os braços, Matheus sorrio para mim com lagrimas nos olhos, e eu sabia que nele eu tinha um aliado, mesmo sem saber por que ou como havia conquistado sua confiança.

Fim. 

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