Diana coçou os olhos. Estava a horas em frente aquele computador. Ouviu sua esposa Clara se mexer na cama e olhou para ela carinhosamente. Depois, se lembrou que estava com frio e com fome. Encarou a xícara de café abandonada pela metade e o sanduíche ainda intacto, deixados por Clara naquele dia mais cedo.
Levou as coisas até a cozinha, as pantufas que usava fazendo um barulho macio no chão de madeira. Olhou para as caixas de Fastfood vazias no balcão e a enorme bacia, ainda com um resto de pipoca abandonados na bancada da cozinha.
Ao passar pela sala voltando para o quarto, notou as almofadas no chão e as mantas no sofá, com pipocas abandonadas ali e aqui. Clara e seus três filhos haviam feito a tradicional noite do cinema. Lembrou-se de perguntar se eles se divertiram, e depois de voltar para o quarto e tomar banho, juntou-se a esposa na cama para dormir. A última coisa que viu foram os números vermelhos do relógio digital marcando 4:33 da manhã, mas estava feliz, pois seu objetivo havia sido alcançado, ela finalmente, finalmente tinha encontrado sua irmã.
Diana acordou, se espreguiçando lentamente. Olhou com os olhos semicerrados para o relógio digital, que marcava uma da tarde. Se levantou descansada e desperta, e depois de cuidar da higiene pessoal, foi encontrar a sua família. Não via a hora de contar a clara que tinha encontrado a sua irmã, a esposa ficaria feliz por ela. Acompanhou, desde o início a busca que ela fazia, e sabia o quanto aquilo era importante.
A casa, no entanto, estava vazia. Um postite colorido colado na geladeira dizia que eles haviam ido para o parque, e que finalmente, Miguel, seu filho mais novo, tentaria andar na bicicleta sem as rodinhas. Diana sorriu. Pegou o telefone e ligou para a esposa. Enquanto esperava, batucava os dedos na bancada, agora limpa. Clara atendeu no quarto toque
- Oi flor do dia.
- Oi, linda. Ele tá conseguindo?
Diana ouviu o sorriso de Clara.
- Sim! Caiu umas duas vezes, mas já tá bem e andando muito melhor.
- Que bom, - disse Diana, tirando uma caixa de suco da geladeira e mudando o celular de lado no ouvido para alcançar um pacote de torrada. - Você filmou?
- Aham! Já tá na nuvem.
- Legal! Vou olhar depois. O que cês tão fazendo agora?
- Almoçando no Léo, e você? Fiquei com dó de te acordar, nem te vi ir dormir.
- Vou comer uma torrada e tomar suco, acabei de acordar. Mas amor, eu consegui! Eu encontrei a beatriz. Ela mora em são paulo e é dona de uma loja de roupas em um shopping.
Ela ouviu Clara ofegar do outro lado e sorriu. -
- Diana! Isso é incrível!
- Sim, tem um telefone, mas não tive coragem de ligar. Acho que vou até lá.
Clara fez silencio por quase um minuto, tempo suficiente para Diana pegar o copo e o jogo americano no armário e sentar na bancada.
- Tá aí? - Perguntou a Clara.
- Sim. - Respondeu Clara, - Saí de perto das crianças. Linda, você tem certeza que essa é uma boa ideia, quer dizer... Não é melhor conversar com ela antes?
Diana pensou por alguns segundos.
- Eu não vou ter coragem de ligar.
Clara ficou quieta mais uma vez.
- E como você vai?
- Vou desbloquear aquele cartão que o banco me deu e parcelar a passagem e a hospedagem.
- Você tem certeza? - Clara perguntou, a voz anciosa.
- Sim, eu tenho. - Diana respondeu firmemente, ouvindo o suspiro da esposa do outro lado da linha.
E assim ela fez, comprou as passagens, marcou o hotel e uma semana depois estava na rodoviária de São Paulo. Tinha sido abandonada a muitos anos em um lugar como aquele, e a última coisa que se lembrava era da mãe se afastando, se misturando as outras pessoas e dos grandes olhos verdes da irmã, olhando para trás enquanto elas iam embora. Não sabia se aquilo era uma memória real, mas era a mais vívida que tinha.
Depois de se trocar no hotel, foi até o shopping onde a irmã trabalhava. Caminhou devagar pelos corredores, observando as pessoas se divertindo e vivendo suas vidas.
Viu a placa com o nome da loja e respirou fundo, tentando se acalmar. Ela não sabia como, mas de repente, estava em frente a porta. No balcão, uma moça loira de olhos verdes conversava com uma pessoa, e imediatamente ela soube duas coisas: Um, aquela era sim Beatriz, sua irmã, e Dois, que seja qual fosse o motivo, os dois estavam discutindo.
Ela entrou na loja de vagar, sentindo suas pernas oscilarem e parou, esperando a conversa acabar.
- Ok, você que sabe. Quanto mais tempo insistir, maior a sua dívida vai ficar.
Estou te ofertando contra todas as normas do shopping a isenção da multa da quebra de contrato! Mas essa oferta é agora.
- Te paguei muito bem pra isso! - A voz de sua irmã foi baixa.
O homem se inclinou na direção dela e sussurrou algo que Diana não ouviu. Então virou as costas e foi embora, passando por ela com paços largos, sem notar sua presença.
Beatriz ficou imóvel por alguns segundos então olhou para ela.
- Posso ajudar?
Diana ficou parada, esperando ser reconhecida. Quando nada aconteceu, ela pensou que estava exigindo muito da irmã, afinal, eram muito jovens.
- É formatura, casamento ou festa de debutante?
Diana olhou envolta.
- Não quero nada... - Foi tudo que conseguiu falar, pois seus olhos voltaram para a irmã, que era uma mulher belíssima, com olhos verdes, cílios grandes e maçãs do rosto delicadas. Naquele rosto, ela conseguia enxergar perfeitamente a menina que olhava para trás em suas lembranças.
- Se é pra a vaga de vendedora, pode desistir! Não vou mais contratar ninguém.
Ela começou a mexer no computador, digitando freneticamente. Perdendo o enteresse em Diana, já que ela não iria comprar nada.
- Meu nome é Diana, Diana Limberger... Mas a muito tempo atrás, me chamava Maria Eduarda Sales.
Os dedos no teclado pararam, mas a expressão no rosto bonito era indecifrável.
Beatriz respirou fundo.
- Você parece muito com ela... O cabelo preto, o olho azul...
- Com... Com a nossa mãe?
Beatriz olhou para ela, e a ausência de expressão assustou Diana.
- É, ela mesma. O que você quer?
- Eu... O que eu quero? Eu...
Diana parou para respirar, esperava lágrimas, emoção e abraços, em algumas vezes, imaginou gritos, mas nunca, jamais aquela ausência total de expressão.
- Se você quer saber, ela morreu, três anos atrás. Overdose de heroina.
Diana ofegou, seus olhos ficando úmidos com o choque.
- Ah, para! Ela não merece suas lágrimas. Me criou aos trancos e barrancos pra perseguir o seu sonho fracassado de ser cantora, e no fim das contas, nunca conseguiu! Abandonou você no processo e acabou com a minha vida!
Havia tanta raiva em suas palavras que Diana deu um paço para tráz.
- Eu sinto muito...
- Não sinta. Eu me viro, sempre me virei.
- Percebi, sua loja é incrível!
- Eu sei! - Respondeu com sarcasmo - Ela não é mais minha, vou fechar. Eu fracassei aqui... Mas não sou fraca como nossa mãe, vou dar a volta por cima.
- E eu posso te ajudar em alguma coisa?
- Você tem um Milhão de reais para me dar? Isso me ajudaria.
- Não! - Respondeu em tom Chocado.
- Pois é. - Beatriz respirou fundo. - Olha, não sei o que você tava procurando, amor, carinho, um abraço emocionado ou sei lá o que, mas quer saber? Não vai rolar! Não tenho nada pra você.
Um sinal de emoção passou por seu rosto.
- Você vai ficar melhor como tá, longe de mim.
Diana ficou parada por longos segundos. Então respirou fundo.
- Fico triste por você pensar assim... Mas ok. - Com as mãos tremendo, pegou sua agenda e rabiscou o seu número.
- Me liga se mudar de ideia... Eu... Eu vou gostar muito de te conhecer.
Enquanto voltava para o hotel, Diana sentia um misto de emoções que a deixavam tonta. Pena, raiva, tristeza e decepção. No ônibus, abriu seu tablet e viu os vídeos do filho aprendendo a andar de bicicleta sozinho e as lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto. Devia ter estado ali... Viu as fotos da noite de filmes e todos os outros programas familiares que havia perdido enquanto realizava sua busca obsessiva pela irmã.
Fechou a página e Fez uma chamada de vídeo para a esposa. Clara atendeu e as duas se olharam por alguns segundos.
- Ai, sinto muito amor.
Diana balançou a cabeça.
- Você tentou me avisar, eu que não te ouvi.
- Vem pra casa e me conta tudo. A gente vai passar por isso, tá?
Diana fez que sim com a cabeça.
- Eu amo você e as crianças, mais que tudo no mundo! Vocês são a minha família... Prometo que vou ser uma mãe e esposa melhor.
- Vou lembrar disso hem! - Clara disse, sorrindo.
Fim.
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