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entrEstações - Juliana de Luccas - Maio 2021

         Na sala de espera de um hospital, além de estar preocupado com o marido que está passando por uma cirurgia delicada, Douglas tem que lidar com o pai ausente que depois de anos decide dar as caras. 


Na sala de espera de um hospital, além de estar preocupado com o marido que está passando por uma cirurgia delicada, Douglas tem que lidar com o pai ausente que depois de anos decide dar as caras.        Douglas estava curvado sobre si mesmo, os cotovelos apoiados nos joelhos e o queixo entre as mãos. As imagens cotidianas das pessoas de branco se misturavam com as lembranças em sua mente, assim como os sons e cheiros...                Ouviu alguém dizer seu nome ao longe e olhou para cima, se deparando com o rosto do seu pai                - Eu trouxe café - disse ele, estendendo para Douglas um copo de isopor, o cheiro familiar invadindo seu olfato.                Acompanhou o outro braço do pai, e percebeu que a mão dele estava em seu ombro. Ficou atordoado, pois não conseguia sentir o toque e também não gostava que o pai o tocasse, aliais, não gostava muito do pai naquele momento e o pai não gostava muito de André. Então, não entendia o que ele estava fazendo ali, mas pegou o copo, pois parecia ser a coisa certa a se fazer                O pai se sentou ao seu lado, o que o deixou aliviado, pois soltou seu ombro.                - Tá com frio? - Perguntou                - Não. - Mentiu Douglas                - Quer comer alguma coisa? posso comprar um hamburger para você...                - Não consigo comer nada... - Respondeu Douglas irritado.                Eles ficaram em silêncio, ouvindo os sons do hospital, o medo de Perder André fazendo um bolo em seu estomago. Ainda estava atordoado, tinha sido tudo tão repentino. Estavam brigando por causa da fatura do cartão de crédito e de repente André gritou e caiu no chão, se contorcendo com as mãos na barriga. Aquela imagem ficava indo e voltando em sua mente, a ponto de o deixar a beira da loucura.                Suspirou, se esforçando para não chorar, tinha sido tão duro, e por uma coisa tão idiota.                - Filho, eu sei o que você está sentindo...                Douglas respirou fundo. A cada momento que passava se sentia mais incomodado e mais irritado com a presensa do pai. Enquanto tentava se acalmar, observou, por longos segundos, uma enfermeira escrever algo a caneta em um quadro branco. Então piscou e olhou para o outro homem, tentando conter a ráiva que se misturava a toda sua tristeza.                - Tá fazendo o que aqui? - Perguntou, a voz baixa e contida                O pai abriu e fechou a boca, parecendo mastigar as palavras.                - Vim ficar com você...                - Agora? -  Perguntou, com um riso que lhe pareceu estranho e insano.                - Douglas, eu sei o que eu fiz, mas agora, agora não é a hora...                Douglas quis dizer tantas coisas que as palavras se atropelaram para sair e intalaram em sua garganta, o deixando enjoado. Engoliu em seco, tomando, por impulso um grande gole do café forte e sem açúcar.                - Você não tá nem ai pra ele... E meus sogros e cunhado estão a caminho, não vou ficar sozinho.                - Mas eu me preocupo com você...                - Nossa! Como você pode falar isso depois de todas as merdas que fez?                - Filho... Você precisa me perdo....  Douglas se levantou                - Não! Nem vem com essa! Agora é tarde demais - disse, em voz alta. - Você me expulsou, humilhou a gente no velório da mamãe e nem deixou eu me despedir dela. Eu tava desesperado e você me tratou como lixo.                - Douglas...                - O que está acontecendo? - Uma infermeira perguntou, se aproximando, interrompendo o que o pai ia dizer.                - Eu não quero esse cara aqui. - Douglas disse em voz alta.                A enfermeira pareceu surpresa.                - O senhor tem certeza?                - Sim, tenho. - Ele disse, no mesmo tom.                - Por favor Filho... Escute...                - Vai se foder! Não quero saber das suas merdas agora! - Douglas disse em um tom baixo, carregado de raiva.                O pai assentiu bruscamente, endureceu a mandíbula, então virou as costas e acompanhou a enfermeira até a saída.                Ele levou as duas mãos a cabeça, apertando com força os fios de cabelo e se sentando na cadeira atras de si, a adrenalina e vontade de brigar desaparecendo junto com o pai, deixando para tras seu corpo vazio e cansado.                Um tempo depois, quando já se sentia no controle de si mesmo, viu uma enfermeira passar, saindo das portas brancas para onde André havia sido levado mais cedo.                - Moça! ô, moça! - Gritou, correndo para alcançá-la  Ela parou e olhou para ele, um certo olhar de compreenção em seu rosto.                - Sim?                - André Dantas, você sabe o que tão fazendo com ele? - Perguntou, parando a sua frente                Ela foi até a recepção, sendo seguida por Douglas, que esfregou os braços por conta do frio, a lembrança do grito de André e do seu corpo desacordado em seus braços tomando sua mente. Ele observou enquanto a jovem mulher olhava algo no computador.                - Ele está em uma apendicectomia, certo?                - Sim, é ele, com o doutor Novaes. A cirurgia acabou? ele tá bem? - Ele perguntou, querendo empurrar ela da frente da tela para ler o que estava lá.                - O que vocÊ é do paciente.                - Marido, - Disse Ele defencivamente                - Ok. - Disse ela, saindo de detrás do balcão.                - Merda! Vai me dizer o que tá acontecendo? - Perguntou, fazendo o caminho de volta até as portas brancas.                - Espere aqui! Eu vou verificar...                Ela entrou no corredor antes que ele pudesse segui-la. Cerrou os punhos sentindo vontade de ir atrás dela e a sacudir com força até que ela dissesse algo que pudesse acalmar o seu coração.                Respirou fundo, sentindo que precisava se acalmar, colocando, mas uma vez as mãos nos cabelos e puxando com força. Sentou em uma cadeira próxima a parede, encostando a bochecha no concreto gelado, cansado de tudo.                Fechou os olhos e enchergou, com claresa, os olhos negros de André.                Eles estavam em sua lua de mel. O fogo na lareira lançava sombras nas paredes do quarto aconchegante, na pousada no meio do nada, nos confins de uma cidade histórica nos estados unidos. Estavam sentados em um sofá grande, abraçados e cobertos por uma manta, enquanto o calor do fogo os aquecia e os estampidos enchiam o silêncio confortável.                - Feliz? - André perguntou sorrindo.                - Não! - Disse Douglas sériamente, sendo castigado em seguida com um beliscão do seu agora marido. Ele rio alto. - Ei, espera eu terminar! - Disse, segurando as mãos de André. - Eu ia falar que Feliz não chega nem perto do que eu to sentindo. - Olhou com ternura para aqueles olhos negros cheios de amor. - Eu to me sentindo completo.                - Isso é brega! - Disse André, - Você sabe que eu fico todo besta quando me fala essas coisas                - É por isso que eu falo, disse Douglas com um sorriso. - O que não significa que não é verdade.                André se ajeitou em seu peito, erguendo o rosto para encarar seus olhos                - Você vai me perdoar? - Perguntou, tocando o rosto de Douglas.                - Pelo que? - Douglas perguntou, - virando o rosto para beijar sua mão.                - Por ter trazido você para o inverno, quando a gente podia ter ido pro caribe, ou uma praia exótica no Brasil e gastar muito menos grana.                - hum, depende... - disse Douglas, - Se você passar mais tempo comigo no quarto do que me arrastando por museus e pontes históricas, sim.                André se ergueu sorrindo e os dois se beijaram carinhosamente.                - Não vai rolar, mas vou fazer você gostar muito dos momentos no quarto. - Disse André entre beijos.                Depois que o beijo acabou, André se aconchegou novamente no colo de Douglas                - Acho que nunca ví minha mãe tão bêbada -Comentou, intrelaçando seus dedos aos de douglas e colocando em seu peito.                - Né? - Rio Douglas. - Ela tava toda soltinha.                - Gostei de conhecer sua irmã, já tinha passado da hora - disse andré.                - Sim, ela amou você                - Ela falou alguma coisa dos seus pais.                Douglas mordeu o lábio.                - Minha mãe mandou um beijo, disse que me ama e desejou sorte... Mas meu pai nem deixou ela terminar de falar sobre o casamento. Ele nunca, nunca vai aceitar a gente.                André acentiu de leve.                - Da um tempo pra ele... - Disse, erguendo a mão de seu peito e beijando os dedos, vendo, com orgulho a aliança de ouro que havia colocado ali um dia antes. - E sua mãe?                - Ela não contraria meu pai, nunca abriu a boca pra nada, e acho que nunca vai ter força pra isso. Ela deixou ele me expulsar sem levantar um dedo, é completamente dominada e sem vontade própria. - Em uma reflexão tardia continuou. - A gente não pode ser isso. Não desse jeito. Não deixa eu fazer isso com você nunca!                André se ergueu novamente, pegando o rosto do marido entre as mãos.                - A gente não vai, porque a nossa relação é diferente, você é teimoso, orgulhoso, dominador e briguento como seu pai, mas você não é ele Douglas, vocês tem vivências diferentes, enxergam relacionamento de outra forma, isso é óbvio! Eu não estaria com você se fosse assim. E outra, eu não sou sua  mãe.                - Eu agradeço a Deus por isso - disse Douglas, sorrindo.                André balançou a cabeça.                - Sei que você tá magoado, não fica aí disfarçando com brincadeira.                Douglas tocou sua bochecha com as costas dos dedos, encarando seus olhos pretos novamente. Ele amava aqueles olhos pretos,                - Você tá certo, eu to puto... O que é uma merda, porque esse é o dia mais feliz da minha vida. Mas eu não trocaria a presensa deles por uma vida sem você, ou uma vida sem ser eu mesmo.                Eles se olharam no silêncio, quebrado apenas pelos estalos do fogo da lareira.                - Eu prometo te amar, o máximo que eu puder sem deixar de me amar. - Disse André, dislizando a mão para a nuca do marido e os dois se beijaram e se amaram, dormindo em seguida um nos braços do outro, aquecidos enquanto a neve caia lá fora                No hospital, Douglas soltou um soluço de choro, com lágrimas escorrendo por suas bochechas com a lembrança, enquanto sentia a friesa do lugar, muito diferente do calor dos momentos lembrados.                Viu, com os olhos embaçados de lagrimas a infermeira se aproximar. Ele travou, o tempo paralizou enquanto ela se aproximava e uma sensação de perda o tomou, enquanto as lagrimas continuavam a escorrer por sua bochecha.                   O dia estava belo e ensolarado. Os pássaros cantavam nas árvores, acompanhando o cortejo funibre, insensíveis a dor das poucas pessoas que acompanhavam o caixão. A frente, Douglas caminhava ereto, a mandíbula travada e os olhos a frente do caminho que deveria seguir.                Chegaram ao local do enterro e sua irmã o abraçou, o rosto bonito enchado de tanto chorar. Ele podia sentir os seus ombros tremendo pelos soluços silenciosos enquanto viam o caixão decendo para a terra. Lagrimas escorriam também pelos olhos de douglas enquanto toda uma vida passou diante de seus olhos, tudo o que foi e o que poderia ter sido. Se lembrou das últimas palavras trocadas entre eles e se lamentou por terem sido de ráiva.                Ele se aproximou, pegando um pouco de terra com a pá, e quando olhou para baixo, para a tampa do caixão, pensou em algo para dizer mas não conseguiu, pois tinha muitas coisas, todas se atropelando em sua mente. As lagrimas embaçaram seus olhos, e ele apenas virou a pá, a terra caindo em cima do caixão. Quando tudo estava terminado e as coroas de flores enfeitavam o lugar onde um dia nasceria grama ele e Laura, sua irmã, se afastaram.                - Quer que eu vá para casa com você? - Perguntou, passando as pontas dos dedos no rosto para limpar as lágrimas.                Douglas balançou a cabeça.                - Não, vai pra casa.                - Mas você vai ficar sozinho naquela casa enorme e...                - Laura, é sério, eu to de boa.                O cunhado victor se aproximou.                - Ei, cara! Não quer ir pra casa com a gente?                Douglas balançou a cabeça novamente.                Laura o abraçou com força.                - Eu te amo! - disse, a voz embargada                - Eu também.                Laura e Vitor se afastaram. Ele observou novamente o tumulo e sussurrou.                - Espero que esteja em paz... - Soltou um soluço alto e completou - Eu te amo.                   Em seu carro, pegou o celular e deixou chamar. A voz masculina atendeu do outro lado.                - Ei, como você tá?                - Um lixo...                - Douglas, não foi sua culpa!                Ele encostou a testa no volante do carro                - Ele tava ali pra me apoiar e eu mandei ele embora, e ele foi dirigindo como um louco e morreu! - Disse, batendo com força no painel do carro. - Como a culpa não é minha?                - Você tinha um monte de motivos pra mandar ele embora, a culpa não é sua.                Douglas se encostou para trás no banco, esfregando o rosto com a mão livre e perguntou depois de um suspiro.                - O que ele queria me falar?                André suspirou do outro lado da linha.                - Eu não sei amor, mas ele tava alí e queria te ajudar, lembra? Isso vai parecer duro, mas o que a gente faz tem consequências. A culpa da sua raiva era toda dele, e eu sei que tá foda agora, mas não era você que tava no volante, era ele.                Eles ficaram em silêncio por vários segundos.                - Não vai ser fácil.                - Não! vai doer pra caralho até você se acostumar, mas eu vo tá aqui. e a Laura, o Victor, minha mãe e toda a nossa família.                - Eu sei....                - Você vai pra casa?                - Vou trocar de roupa, aí volto pro hospital. Você tá com dor?                - Não, graças a Deus, e falando sério, quem precisa de um apendce? Ele é inútil mesmo....                Douglas riu, agradecendo aos céus e a toda e qualquer entidade do universo por não ter levado André. Sua voz tinha o poder de acalmá-lo, aquecendo sua alma e seu senso de humor o fazia rir, mesmo nos momentos mais complicados.                Fim.


Douglas estava curvado sobre si mesmo, os cotovelos apoiados nos joelhos e o queixo entre as mãos. As imagens cotidianas das pessoas de branco se misturavam com as lembranças em sua mente, assim como os sons e cheiros...

              Ouviu alguém dizer seu nome ao longe e olhou para cima, se deparando com o rosto do seu pai

              - Eu trouxe café - disse ele, estendendo para Douglas um copo de isopor, o cheiro familiar invadindo seu olfato.

              Acompanhou o outro braço do pai, e percebeu que a mão dele estava em seu ombro. Ficou atordoado, pois não conseguia sentir o toque e também não gostava que o pai o tocasse, aliais, não gostava muito do pai naquele momento e o pai não gostava muito de André. Então, não entendia o que ele estava fazendo ali, mas pegou o copo, pois parecia ser a coisa certa a se fazer

              O pai se sentou ao seu lado, o que o deixou aliviado, pois soltou seu ombro.

              - Tá com frio? - Perguntou

              - Não. - Mentiu Douglas

              - Quer comer alguma coisa? posso comprar um hamburger para você...

              - Não consigo comer nada... - Respondeu Douglas irritado.

              Eles ficaram em silêncio, ouvindo os sons do hospital, o medo de Perder André fazendo um bolo em seu estomago. Ainda estava atordoado, tinha sido tudo tão repentino. Estavam brigando por causa da fatura do cartão de crédito e de repente André gritou e caiu no chão, se contorcendo com as mãos na barriga. Aquela imagem ficava indo e voltando em sua mente, a ponto de o deixar a beira da loucura.

              Suspirou, se esforçando para não chorar, tinha sido tão duro, e por uma coisa tão idiota.

              - Filho, eu sei o que você está sentindo...

              Douglas respirou fundo. A cada momento que passava se sentia mais incomodado e mais irritado com a presensa do pai. Enquanto tentava se acalmar, observou, por longos segundos, uma enfermeira escrever algo a caneta em um quadro branco. Então piscou e olhou para o outro homem, tentando conter a ráiva que se misturava a toda sua tristeza.

              - Tá fazendo o que aqui? - Perguntou, a voz baixa e contida

              O pai abriu e fechou a boca, parecendo mastigar as palavras.

              - Vim ficar com você...

              - Agora? -  Perguntou, com um riso que lhe pareceu estranho e insano.

              - Douglas, eu sei o que eu fiz, mas agora, agora não é a hora...

              Douglas quis dizer tantas coisas que as palavras se atropelaram para sair e intalaram em sua garganta, o deixando enjoado. Engoliu em seco, tomando, por impulso um grande gole do café forte e sem açúcar.

              - Você não tá nem ai pra ele... E meus sogros e cunhado estão a caminho, não vou ficar sozinho.

              - Mas eu me preocupo com você...

              - Nossa! Como você pode falar isso depois de todas as merdas que fez?

              - Filho... Você precisa me perdo....

Douglas se levantou

              - Não! Nem vem com essa! Agora é tarde demais - disse, em voz alta. - Você me expulsou, humilhou a gente no velório da mamãe e nem deixou eu me despedir dela. Eu tava desesperado e você me tratou como lixo.

              - Douglas...

              - O que está acontecendo? - Uma infermeira perguntou, se aproximando, interrompendo o que o pai ia dizer.

              - Eu não quero esse cara aqui. - Douglas disse em voz alta.

              A enfermeira pareceu surpresa.

              - O senhor tem certeza?

              - Sim, tenho. - Ele disse, no mesmo tom.

              - Por favor Filho... Escute...

              - Vai se foder! Não quero saber das suas merdas agora! - Douglas disse em um tom baixo, carregado de raiva.

              O pai assentiu bruscamente, endureceu a mandíbula, então virou as costas e acompanhou a enfermeira até a saída.

              Ele levou as duas mãos a cabeça, apertando com força os fios de cabelo e se sentando na cadeira atras de si, a adrenalina e vontade de brigar desaparecendo junto com o pai, deixando para tras seu corpo vazio e cansado.

              Um tempo depois, quando já se sentia no controle de si mesmo, viu uma enfermeira passar, saindo das portas brancas para onde André havia sido levado mais cedo.

              - Moça! ô, moça! - Gritou, correndo para alcançá-la

Ela parou e olhou para ele, um certo olhar de compreenção em seu rosto.

              - Sim?

              - André Dantas, você sabe o que tão fazendo com ele? - Perguntou, parando a sua frente

              Ela foi até a recepção, sendo seguida por Douglas, que esfregou os braços por conta do frio, a lembrança do grito de André e do seu corpo desacordado em seus braços tomando sua mente. Ele observou enquanto a jovem mulher olhava algo no computador.

              - Ele está em uma apendicectomia, certo?

              - Sim, é ele, com o doutor Novaes. A cirurgia acabou? ele tá bem? - Ele perguntou, querendo empurrar ela da frente da tela para ler o que estava lá.

              - O que vocÊ é do paciente.

              - Marido, - Disse Ele defencivamente

              - Ok. - Disse ela, saindo de detrás do balcão.

              - Merda! Vai me dizer o que tá acontecendo? - Perguntou, fazendo o caminho de volta até as portas brancas.

              - Espere aqui! Eu vou verificar...

              Ela entrou no corredor antes que ele pudesse segui-la. Cerrou os punhos sentindo vontade de ir atrás dela e a sacudir com força até que ela dissesse algo que pudesse acalmar o seu coração.

              Respirou fundo, sentindo que precisava se acalmar, colocando, mas uma vez as mãos nos cabelos e puxando com força. Sentou em uma cadeira próxima a parede, encostando a bochecha no concreto gelado, cansado de tudo.

              Fechou os olhos e enchergou, com claresa, os olhos negros de André.

              Eles estavam em sua lua de mel. O fogo na lareira lançava sombras nas paredes do quarto aconchegante, na pousada no meio do nada, nos confins de uma cidade histórica nos estados unidos. Estavam sentados em um sofá grande, abraçados e cobertos por uma manta, enquanto o calor do fogo os aquecia e os estampidos enchiam o silêncio confortável.

              - Feliz? - André perguntou sorrindo.

              - Não! - Disse Douglas sériamente, sendo castigado em seguida com um beliscão do seu agora marido. Ele rio alto. - Ei, espera eu terminar! - Disse, segurando as mãos de André. - Eu ia falar que Feliz não chega nem perto do que eu to sentindo. - Olhou com ternura para aqueles olhos negros cheios de amor. - Eu to me sentindo completo.

              - Isso é brega! - Disse André, - Você sabe que eu fico todo besta quando me fala essas coisas

              - É por isso que eu falo, disse Douglas com um sorriso. - O que não significa que não é verdade.

              André se ajeitou em seu peito, erguendo o rosto para encarar seus olhos

              - Você vai me perdoar? - Perguntou, tocando o rosto de Douglas.

              - Pelo que? - Douglas perguntou, - virando o rosto para beijar sua mão.

              - Por ter trazido você para o inverno, quando a gente podia ter ido pro caribe, ou uma praia exótica no Brasil e gastar muito menos grana.

              - hum, depende... - disse Douglas, - Se você passar mais tempo comigo no quarto do que me arrastando por museus e pontes históricas, sim.

              André se ergueu sorrindo e os dois se beijaram carinhosamente.

              - Não vai rolar, mas vou fazer você gostar muito dos momentos no quarto. - Disse André entre beijos.

              Depois que o beijo acabou, André se aconchegou novamente no colo de Douglas

              - Acho que nunca ví minha mãe tão bêbada -Comentou, intrelaçando seus dedos aos de douglas e colocando em seu peito.

              - Né? - Rio Douglas. - Ela tava toda soltinha.

              - Gostei de conhecer sua irmã, já tinha passado da hora - disse andré.

              - Sim, ela amou você

              - Ela falou alguma coisa dos seus pais.

              Douglas mordeu o lábio.

              - Minha mãe mandou um beijo, disse que me ama e desejou sorte... Mas meu pai nem deixou ela terminar de falar sobre o casamento. Ele nunca, nunca vai aceitar a gente.

              André acentiu de leve.

              - Da um tempo pra ele... - Disse, erguendo a mão de seu peito e beijando os dedos, vendo, com orgulho a aliança de ouro que havia colocado ali um dia antes. - E sua mãe?

              - Ela não contraria meu pai, nunca abriu a boca pra nada, e acho que nunca vai ter força pra isso. Ela deixou ele me expulsar sem levantar um dedo, é completamente dominada e sem vontade própria. - Em uma reflexão tardia continuou. - A gente não pode ser isso. Não desse jeito. Não deixa eu fazer isso com você nunca!

              André se ergueu novamente, pegando o rosto do marido entre as mãos.

              - A gente não vai, porque a nossa relação é diferente, você é teimoso, orgulhoso, dominador e briguento como seu pai, mas você não é ele Douglas, vocês tem vivências diferentes, enxergam relacionamento de outra forma, isso é óbvio! Eu não estaria com você se fosse assim. E outra, eu não sou sua  mãe.

              - Eu agradeço a Deus por isso - disse Douglas, sorrindo.

              André balançou a cabeça.

              - Sei que você tá magoado, não fica aí disfarçando com brincadeira.

              Douglas tocou sua bochecha com as costas dos dedos, encarando seus olhos pretos novamente. Ele amava aqueles olhos pretos,

              - Você tá certo, eu to puto... O que é uma merda, porque esse é o dia mais feliz da minha vida. Mas eu não trocaria a presensa deles por uma vida sem você, ou uma vida sem ser eu mesmo.

              Eles se olharam no silêncio, quebrado apenas pelos estalos do fogo da lareira.

              - Eu prometo te amar, o máximo que eu puder sem deixar de me amar. - Disse André, dislizando a mão para a nuca do marido e os dois se beijaram e se amaram, dormindo em seguida um nos braços do outro, aquecidos enquanto a neve caia lá fora

              No hospital, Douglas soltou um soluço de choro, com lágrimas escorrendo por suas bochechas com a lembrança, enquanto sentia a friesa do lugar, muito diferente do calor dos momentos lembrados.

              Viu, com os olhos embaçados de lagrimas a infermeira se aproximar. Ele travou, o tempo paralizou enquanto ela se aproximava e uma sensação de perda o tomou, enquanto as lagrimas continuavam a escorrer por sua bochecha.

 

              O dia estava belo e ensolarado. Os pássaros cantavam nas árvores, acompanhando o cortejo funibre, insensíveis a dor das poucas pessoas que acompanhavam o caixão. A frente, Douglas caminhava ereto, a mandíbula travada e os olhos a frente do caminho que deveria seguir.

              Chegaram ao local do enterro e sua irmã o abraçou, o rosto bonito enchado de tanto chorar. Ele podia sentir os seus ombros tremendo pelos soluços silenciosos enquanto viam o caixão decendo para a terra. Lagrimas escorriam também pelos olhos de douglas enquanto toda uma vida passou diante de seus olhos, tudo o que foi e o que poderia ter sido. Se lembrou das últimas palavras trocadas entre eles e se lamentou por terem sido de ráiva.

              Ele se aproximou, pegando um pouco de terra com a pá, e quando olhou para baixo, para a tampa do caixão, pensou em algo para dizer mas não conseguiu, pois tinha muitas coisas, todas se atropelando em sua mente. As lagrimas embaçaram seus olhos, e ele apenas virou a pá, a terra caindo em cima do caixão. Quando tudo estava terminado e as coroas de flores enfeitavam o lugar onde um dia nasceria grama ele e Laura, sua irmã, se afastaram.

              - Quer que eu vá para casa com você? - Perguntou, passando as pontas dos dedos no rosto para limpar as lágrimas.

              Douglas balançou a cabeça.

              - Não, vai pra casa.

              - Mas você vai ficar sozinho naquela casa enorme e...

              - Laura, é sério, eu to de boa.

              O cunhado victor se aproximou.

              - Ei, cara! Não quer ir pra casa com a gente?

              Douglas balançou a cabeça novamente.

              Laura o abraçou com força.

              - Eu te amo! - disse, a voz embargada

              - Eu também.

              Laura e Vitor se afastaram. Ele observou novamente o tumulo e sussurrou.

              - Espero que esteja em paz... - Soltou um soluço alto e completou - Eu te amo.

 

              Em seu carro, pegou o celular e deixou chamar. A voz masculina atendeu do outro lado.

              - Ei, como você tá?

              - Um lixo...

              - Douglas, não foi sua culpa!

              Ele encostou a testa no volante do carro

              - Ele tava ali pra me apoiar e eu mandei ele embora, e ele foi dirigindo como um louco e morreu! - Disse, batendo com força no painel do carro. - Como a culpa não é minha?

              - Você tinha um monte de motivos pra mandar ele embora, a culpa não é sua.

              Douglas se encostou para trás no banco, esfregando o rosto com a mão livre e perguntou depois de um suspiro.

              - O que ele queria me falar?

              André suspirou do outro lado da linha.

              - Eu não sei amor, mas ele tava alí e queria te ajudar, lembra? Isso vai parecer duro, mas o que a gente faz tem consequências. A culpa da sua raiva era toda dele, e eu sei que tá foda agora, mas não era você que tava no volante, era ele.

              Eles ficaram em silêncio por vários segundos.

              - Não vai ser fácil.

              - Não! vai doer pra caralho até você se acostumar, mas eu vo tá aqui. e a Laura, o Victor, minha mãe e toda a nossa família.

              - Eu sei....

              - Você vai pra casa?

              - Vou trocar de roupa, aí volto pro hospital. Você tá com dor?

              - Não, graças a Deus, e falando sério, quem precisa de um apendce? Ele é inútil mesmo....

              Douglas riu, agradecendo aos céus e a toda e qualquer entidade do universo por não ter levado André. Sua voz tinha o poder de acalmá-lo, aquecendo sua alma e seu senso de humor o fazia rir, mesmo nos momentos mais complicados.

              Fim.

 



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