Ela criou sua criança com todo o amor do mundo... Mas agora, enquanto caminha, curvada pelo tempo, teme o que vai encontrar.
A velha senhora caminhava lentamente pela calçada. O som de seus paços se intercalava entre o toque macio do calçado, e o baque duro da bengala de madeira que usava para caminhar. Entrou no prédio frio e escuro e foi auxiliada por um jovem que trabalhava ali para chegar a recepção.
Falou por que estava ali para a jovem recepcionista, e ignorou a pena com que ela a olhava. Nunca em sua vida tinha sido conivente com aquele tipo de atitude em relação a ela, e não era com a idade que tinha que começaria a ser.
Passou as informações dele, e sua voz fraquejou ao falar seu nome, mas sua expressão era séria em meio as linhas que marcavam o mapa de sua vida. Enquanto ia para o elevador, foi novamente auxiliada pelo jovem. Quando entraram, ela se apoiou em sua bengala, pedindo perdão a Deus.
- Eu dei todas as surras que ele merecia - confessou, - e o amei mais que tudo. Deus não a respondeu, mais com a idade que tinha já havia se acostumado com o seu silêncio.
Contra o peito, carregava uma foto de quando ele era criança. Onde as colagens para o dia das mães feitas na escola em papel crepom, eram levadas para casa e entregues à ela, a única mãe que tinha conhecido. Nessa época era fácil agradá-lo. Televisão, um pote cheio de bolacha e leite com tod era o suficiente. Depois que cresceu, passou a querer celular, roupas da moda e cadernos de capa dura. Ela lhe deu tudo apesar de não ter muito dinheiro. Então ele largou a escola e começou a andar com a turma do Duda, com quem conseguiu um trabalho para ganhar dinheiro fácil. Ela gritou e implorou que voltasse a estudar, mas foi ignorada. Quando suas dívidas vieram, começou a vender as coisas de dentro de casa para pagar. Ela tentou impedir, mas apanhou. Naquele dia soube que o menino doce que havia criado já não existia mais.
Noites antes tinha acordado assustada. Seu primeiro pensamento foi ele. Se levantou lentamente e caminhou pela casa, se apoiando nas paredes, indo na direção do seu quarto. Quando abriu a porta, percebeu que continuava da mesma forma que tinha arrumado a pouco mais de duas semanas. Entrou e se sentou na cama, passando a mão lentamente pela sua coberta favorita, pedindo a Deus que ajudasse seu menino.
Ouviu a notícia no jornal do meio-dia. O corpo foi encontrado no matagal da favela vizinha dois dias antes, e ainda não havia sido identificado. Ela colocou o seu casaco mais quente e pegou quatro ônibus para só então chegar até ali.
Eles entraram na sala fria e escura, cercada por portas prateadas. O que se destacava era a grande mesa no centro. Nela, um corpo imóvel coberto por um lençol branco. Logo, as lagrimas estavam em sua garganta e seus paços enquanto caminhava em sua direção eram mais lentos.
Quando o lençol foi abaixado ela o viu, Levi, sua criança, seu rosto congelado em uma expressão de dor. Sentiu algo úmido e quente escorrendo por seu rosto, percebeu que eram lágrimas, e os soluços que encheram a sala eram do mais profundo desespero.
Fim.
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