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Amém - Juliana De Luccas - setembro 2018

             Ela criou sua criança com todo o amor do mundo... Mas agora, enquanto caminha, curvada pelo tempo, teme o que vai encontrar. 

Ela criou sua criança com todo o amor do mundo... Mas agora, enquanto caminha, curvada pelo tempo, teme o que vai encontrar.               A velha senhora caminhava lentamente pela calçada. O som de seus paços se intercalava entre o toque macio do calçado, e o baque duro da bengala de madeira que usava para caminhar. Entrou no prédio frio e escuro e foi auxiliada por um jovem que trabalhava ali para chegar a recepção.          Falou por que estava ali para a jovem recepcionista, e ignorou a pena com que ela a olhava. Nunca em sua vida tinha sido conivente com aquele tipo de atitude em relação a ela, e não era com a idade que tinha que começaria a ser.          Passou as informações dele, e sua voz fraquejou ao falar seu nome, mas sua expressão era séria em meio as linhas que marcavam o mapa de sua vida.  Enquanto ia para o elevador, foi novamente auxiliada pelo jovem. Quando entraram, ela se apoiou em sua bengala, pedindo perdão a Deus.          - Eu dei todas as surras que ele merecia - confessou, - e o amei mais que tudo. Deus não a respondeu, mais com a idade que tinha já havia se acostumado com o seu silêncio.          Contra o peito, carregava uma foto de quando ele era criança. Onde as colagens para o dia das mães feitas na escola em papel crepom, eram levadas para casa e entregues à ela, a única mãe que tinha conhecido. Nessa época era fácil agradá-lo. Televisão, um pote cheio de bolacha e leite com tod era o suficiente. Depois que cresceu, passou a querer celular, roupas da moda e cadernos de capa dura. Ela lhe deu tudo apesar de não ter muito dinheiro. Então ele largou a escola e começou a andar com a turma do Duda, com quem conseguiu um trabalho  para ganhar dinheiro fácil. Ela gritou e implorou que voltasse a estudar, mas foi ignorada. Quando suas dívidas vieram, começou a vender as coisas de dentro de casa para pagar. Ela tentou impedir, mas apanhou. Naquele dia soube que o menino doce que havia criado já não existia mais.          Noites antes tinha acordado assustada. Seu primeiro pensamento foi ele. Se levantou lentamente e caminhou pela casa, se apoiando nas paredes, indo na direção do seu quarto. Quando abriu a porta, percebeu que continuava da mesma forma que tinha arrumado a pouco mais de duas semanas. Entrou e se sentou na cama, passando a mão lentamente pela sua coberta favorita, pedindo a Deus que ajudasse seu menino.          Ouviu a notícia no jornal do meio-dia. O corpo foi encontrado no matagal da favela vizinha dois dias antes, e ainda não havia sido identificado. Ela colocou o seu casaco mais quente e pegou quatro ônibus para só então chegar até ali.          Eles entraram na sala fria e escura, cercada por portas prateadas. O que se destacava era a grande mesa no centro. Nela, um corpo imóvel coberto por um lençol branco. Logo, as lagrimas estavam em sua garganta e seus paços enquanto caminhava em sua direção eram mais lentos.          Quando o lençol foi abaixado ela o viu, Levi, sua criança, seu rosto congelado em uma expressão de dor. Sentiu algo úmido e quente escorrendo por seu rosto, percebeu que eram lágrimas, e os soluços que encheram a sala eram do mais profundo desespero.        Fim.          Este texto foi criado originalmente para um projeto do blog faroeste literário, do qual fiz parte da equipe durante muitos anos, atuando não só como autora mas também fazendo parte da equipe de direção. O projeto, conta com nomes muito importantes, como dos autores publicados Davyd Vinicius e Mariane Helena, contando com a participação especial de Joana Hortz. Caso tenha interesse em conhecer os outros textos, basta clicar na imagem.


        A velha senhora caminhava lentamente pela calçada. O som de seus paços se intercalava entre o toque macio do calçado, e o baque duro da bengala de madeira que usava para caminhar. Entrou no prédio frio e escuro e foi auxiliada por um jovem que trabalhava ali para chegar a recepção.

        Falou por que estava ali para a jovem recepcionista, e ignorou a pena com que ela a olhava. Nunca em sua vida tinha sido conivente com aquele tipo de atitude em relação a ela, e não era com a idade que tinha que começaria a ser.

        Passou as informações dele, e sua voz fraquejou ao falar seu nome, mas sua expressão era séria em meio as linhas que marcavam o mapa de sua vida.  Enquanto ia para o elevador, foi novamente auxiliada pelo jovem. Quando entraram, ela se apoiou em sua bengala, pedindo perdão a Deus.

        - Eu dei todas as surras que ele merecia - confessou, - e o amei mais que tudo. Deus não a respondeu, mais com a idade que tinha já havia se acostumado com o seu silêncio.

        Contra o peito, carregava uma foto de quando ele era criança. Onde as colagens para o dia das mães feitas na escola em papel crepom, eram levadas para casa e entregues à ela, a única mãe que tinha conhecido. Nessa época era fácil agradá-lo. Televisão, um pote cheio de bolacha e leite com tod era o suficiente. Depois que cresceu, passou a querer celular, roupas da moda e cadernos de capa dura. Ela lhe deu tudo apesar de não ter muito dinheiro. Então ele largou a escola e começou a andar com a turma do Duda, com quem conseguiu um trabalho  para ganhar dinheiro fácil. Ela gritou e implorou que voltasse a estudar, mas foi ignorada. Quando suas dívidas vieram, começou a vender as coisas de dentro de casa para pagar. Ela tentou impedir, mas apanhou. Naquele dia soube que o menino doce que havia criado já não existia mais.

        Noites antes tinha acordado assustada. Seu primeiro pensamento foi ele. Se levantou lentamente e caminhou pela casa, se apoiando nas paredes, indo na direção do seu quarto. Quando abriu a porta, percebeu que continuava da mesma forma que tinha arrumado a pouco mais de duas semanas. Entrou e se sentou na cama, passando a mão lentamente pela sua coberta favorita, pedindo a Deus que ajudasse seu menino.

        Ouviu a notícia no jornal do meio-dia. O corpo foi encontrado no matagal da favela vizinha dois dias antes, e ainda não havia sido identificado. Ela colocou o seu casaco mais quente e pegou quatro ônibus para só então chegar até ali.

        Eles entraram na sala fria e escura, cercada por portas prateadas. O que se destacava era a grande mesa no centro. Nela, um corpo imóvel coberto por um lençol branco. Logo, as lagrimas estavam em sua garganta e seus paços enquanto caminhava em sua direção eram mais lentos.

        Quando o lençol foi abaixado ela o viu, Levi, sua criança, seu rosto congelado em uma expressão de dor. Sentiu algo úmido e quente escorrendo por seu rosto, percebeu que eram lágrimas, e os soluços que encheram a sala eram do mais profundo desespero.


    Fim.





Este texto foi criado originalmente para um projeto do blog faroeste literário, do qual fiz parte da equipe durante muitos anos, atuando não só como autora mas também fazendo parte da equipe de direção. O projeto, conta com nomes muito importantes, como dos autores publicados Davyd Vinicius e Mariane Helena, contando com a participação especial de Joana Hortz. Caso tenha interesse em conhecer os outros textos, basta clicar na imagem.



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